"Determinemos,
agora, quais são os limites e, por assim dizer, os termos da amizade. Encontro
aqui três opiniões diferentes, das quais não aprovo nenhuma: a primeira deseja
que sejamos para os nossos amigos, assim como somos para nós mesmos; a segunda,
que a nossa afeição por eles seja tal e qual à que eles têm por nós; a
terceira, que estimemos os nossos amigos, assim como eles se estimam a si
mesmos.
Não posso concordar com nenhuma destas três máximas. Porque a
primeira, que cada um tenha para com o seu amigo a mesma afeição e vontade que
tem para si, é falsa. De facto, quantas coisas fazemos pelos nossos amigos,
que jamais faríamos para nós! Rogar, suplicar a um homem que se despreza,
tratar a outro com aspereza, persegui-lo com violência; coisas que em causa
própria não seriam muito decentes, nos negócios dos amigos tornam-se muito
honrosas. Quantas vezes um homem de bem abandona a defesa dos seus interesses e
os sacrifica, em seu próprio detrimento, para servir os de seu amigo!
A segunda opinião é a que define a amizade por uma correspondência
igual em amor e bons serviços. É fazer da amizade uma ideia bem limitada e
mesquinha, sujeitá-la, assim, a um balanço entre a despesa e a receita.
Parece-me que a verdadeira amizade é mais rica e mais generosa; não calcula
com exactidão com medo de oferecer mais do que recebeu. Não se deve temer
na amizade que se vá dar demais ou que se vá perder alguma coisa.
A terceira máxima é a mais perniciosa de todas: quer que se estime
ao amigo tanto quanto ele se estima a si mesmo. Mas há bom número de pessoas,
cuja alma tímida e desalentada não ousa aspirar a uma melhor sorte. Serão,
então, os amigos obrigados a pensar como eles? Não deverão, ao contrário,
esforçarem-se por encorajá-los, sugerindo esperanças e doces pensamentos? É
necessário, portanto, prescrever outros limites para a amizade.
(...) Eis aqui os limites nos quais creio poder encerrar a amizade.
Que os costumes dos amigos sejam sempre puros, que uma inteira comunhão de
bens, de pensamentos, de vontade, exista entre eles. E mesmo se, por
infelicidade, um deles necessita de auxílio do outro, em alguma empresa de
justiça duvidosa, mas de onde dependa a sua vida ou a sua honra, pode-se, neste
caso, desviar um pouco o caminho certo, contanto que daí não resulte a desonra.
A amizade, com efeito, condescende até um certo ponto. "
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